Monday, December 27, 2010

O Jeito

Bandida saiu da cadeia e me ligou:
E aí meu Barão? Vem me ver. Traz uma caixa de bombons daqueles que eu gosto.
Depois vou contigo na tua casa matar a saudade...
Em casa mostrei tudo que fiz na sua ausência.
Tudo o que a saudade me forçara a fazer...
Os quadros, os textos, as músicas...
- O que você achou? Perguntei.
Ela respondeu emocionada:
- Lindos! Tu leva jeito...

Wednesday, November 17, 2010

Meu Velho

Ele está doente.
Idoso.
Próstata.
Está amuado, sem forças, sem ânimo.
Mas ri um pouco quando falo alguma besteira.
Ou quando relembro algumas de suas histórias.
Come pouco.
Pensa muito.
Pressente que a morte se avizinha, perigosa.
Procuro por uma quimera
Para transformar lembranças em vida nova
Por onde o tempo não passe...
Mas não há mais como protegê-lo.
Essa bosta de doença de homem
Que ele resiste enquanto pode
Quando não puder mais, estarei orfão do meu velho de tantos anos,
Enroscado nos espinhos de uma saudade imensa.
Sem esperança e com a alma infinitamente mais pobre.

Friday, November 05, 2010

Novembro

Logo no começo tem o dia de finados.
Sempre estranhei muito esse feriado.
É esquisito visitar parentes defuntos.
Acende vela, reza e acabou o assunto.

É raro o ano que nesse dia não chove
Serve o pretexto para a faxina do jazigo
Gente saudosa chora e ninguém se comove.
Tenho medo que isso aconteça comigo.

A morte é certa. O que temo é a saudade...
Feriado da república e consciência negra.
Dia da Bandeira, hasteadas por toda cidade.

O horário de verão faz o dia ficar mais longo
O lixo acumulado no jardim da orla da praia
É criadouro para a dengue e o pernilongo.

Friday, October 22, 2010

Semiotica

-Eu te amo
Na boca dela
São apenas sete letras
Não significa nada
São apenas sete letras
Um pronome reto, um obliquo
E um verbo sem sentido
São fonemas
Sons numa frase
Significantes
Sem significados
Texto sem contexto
Um nada.
Breve pensamento
Sem refletir emoção.
E fica pior ainda quando ela diz:
-Eu te amo do meu jeito...

Friday, October 01, 2010

Outubro

Um acaso para agradar a curiosidade humana:
O primeiro de outubro e o primeiro de janeiro,
Coincidem sempre no mesmo dia da semana.
Exceto em ano bissexto, eventual e rotineiro.

Dia da criança e da padroeira Aparecida.
A minha infância foi de brincadeiras na rua.
Correndo descalço no chão de terra batida.
Não tinha internet, o virtual que desvirtua.

A molecada passa horas em frente ao computador.
Nada contra a tecnologia que muito nos ajuda.
O ruim é o horizonte da criança ser um monitor.

Aniversário do Bill Gates e do Rei Pelé.
Dia do médico, das bruxas e do professor.
Assim o mês termina com a festa do horror.

Wednesday, September 01, 2010

Setembro

Mês da primavera e da independência do Brasil.
Em Brasília, as forças armadas desfilam o poderio
Várias colunas de soldados marchando alinhadas
Bandeirinhas na mão, as pessoas assistem animadas

No tempo de escola eu desfilava na parada.
Cantando baixinho uma letra de sacanagem
Marcava a batida do bumbo a cada pisada
E ia fazendo rima pensando só em bobagem.

Muitos setembros se passaram no calendário.
No dia 27, Telita, minha filha, faz aniversário.
O calor do sol permite que a natureza sobressaia

Aparecem folhas verdes nas árvores secas da praia.
A grama renasce verdejando num tapete macio
Nos vasos, desenrolam os brotos da samambaia

Thursday, August 19, 2010

A Palavra

Autor: Padre Rafael Bluteau (1638-1734)

“À palavra deu a natureza por origem a cabeça da áspera artéria, o ar por corpo, a língua por mãe, e a boca por berço, mas com tão instantâneo descanso que apenas nascida voa, e com tão breve vida, que logo nos ouvidos dos circunstantes se sepulta. Porém não acaba a palavra quando morre, porque ainda que metida na tortuosa sepultura do ouvido, com o osso petroso por campa, e com várias membranas por mortalhas, e quase perdida nos ocultos meatos da parte que os Anatomistas chamam de Labirinto, alentada com o impulso e comoção do ar implantado, acha a palavra abertas as válvulas, ou pequenas portas, por onde passam as espécies de som para o nervo auditório, e dele para os ventrículos do cérebro, onde estão depositados os tesouros da memória; e por este modo fica a palavra na impressão da sua própria espécie, epitáfio de si mesma, sombra da voz e cadáver da locução, até que chegue a lograr outra vida, quando, suscitada da reminiscência, torna a sair da boca ou da pena dos Escritores, e sucessivamente atada a outras com o fio do discurso, participa, com a doutrina dos sábios, nas obras da eloqüência. "

Tuesday, August 03, 2010

Agosto

Cesar Augusto não quis ficar inferiorizado.
E mandou aumentar o seu mês também.
Mais um dia de fevereiro foi retirado.
O mês curto para cálculo do calendário convém.

A diferença de horas de cada ano é compensada
De quatro em quatro anos e ao fevereiro somada
O ano então, com um dia extra, fica com 366.
É erro dizer que bissexto é para lembrar o duplo seis

O que se gasta no dia dos pais, recupera-se no pendura.
Mesmo já fora da faculdade, eu me junto aos estudantes.
Como, bebo à vontade. Não pago e ninguém me dedura.

Uma tradição é para sempre. Respeito o que diz a escritura
Participo do discurso de agradecimento ao comerciante
E caio fora antes que a polícia chegue e me dê uma dura.

Monday, July 26, 2010

O Cacto

O amor tem essa paixão louca de ser o que ele é.
Por mais que se tente não se consegue explicar.
É um sentimento químico. Biológico, como a fé.
Dá prazer, faz sofrer. Mas tem tempo para acabar.

Não existe o amor para sempre que se quer acreditar.
É a promessa no futuro e a eternidade no passado.
É preciso ter cuidado com seu potencial para machucar.
É na medida em que nos amamos que se pode ser amado.

O meu amor é um cacto que floresce em solo árido.
Solitário na imensidão do deserto, cheio de espinhos.
Uma única flor minimalista vibra vermelho no ar cálido.

Quem sabe evitar a pele grossa e os estigmas eriçados
Alcança um coração tenro, pronto para saciar desejos.
Nutrido em raízes profundas, sem a sombra do passado.

Wednesday, July 07, 2010

Julho

Mês que Julio César resolveu encompridar.
Achando-se um deus, determinou que fosse maior.
Para isso foi preciso o mês de fevereiro encurtar.
Julho é inverno, a estação que eu considero a pior.

Mês de férias para escolares e políticos idiotas.
Idiota em grego, oposição ao homem de Estado.
Apenas com o dinheiro e o poder preocupado.
Culpa nossa que elegemos esses antipatriotas.

O friozinho convida para uma sopa e um vinho
Um filme, edredom e o vidro da janela embaçado.
A mulher amada atenciosa, fazendo carinho...

A casa aquecida, o quarto levemente perfumado.
Nessas horas vejo o tempo que perdi sozinho...
Tomara que amanhã eu ainda esteja apaixonado.

Wednesday, June 09, 2010

Telita, a bióloga

Eu acredito em encontro de almas, em reencarnação.
Sem explicação gosto de algumas pessoas, outras não.
Em família, as afinidades parecem vir de outras vidas.
Há um reconhecimento cúmplice de almas antigas

Entre todas, a que mais comigo se afina é a Telita.
Que anda lá pelos lados de Pirenópolis, em Goiás.
Bióloga, ambientalista, defende tudo que acredita.
Natureza, cultura popular, as pessoas vivendo em paz.

Diante de suas propostas eu viro um troglodita
Porque nem de separar meu lixo eu sou capaz
Quanto mais entender o que a permacultura faz.

Desde pequena já dava para perceber sua inclinação.
Chorou sentida quando, no filme, mataram o Tubarão.
É teu, filha, o futuro pleno e glorioso de alma bendita.

Wednesday, June 02, 2010

Junho

Junho é o mês das festas caipiras.
Santo Antonio, São Pedro e São João.
Das quermesses com fogueiras
E anúncios proibindo soltar balão.

Final do outono, dia dos namorados.
O Sol faz uma rota mais para o norte.
As marés se agitam com o vento forte
Na rua, todos estão mais agasalhados.

Dia 17 é aniversário do Renan, meu neto
Mais um ano de vida, um ciclo completo.
Avós, pai e mãe se tornando mais idosos.

Nossas gerações no tempo ainda incompleto
As almas entrelaçadas por destinos contagiosos.
Batendo forte em nossos corações ansiosos.

Friday, May 28, 2010

Telita

Eu abandonei minha filha diversas vezes. Separado da mãe dela, à noite, no final das visitas, ficava com ela na cama até que ela dormisse. Tinha 4 anos. Segurava com força minha mão numa pequena concha que fazia com suas mãozinhas enquanto sugava repetidamente a chupeta. Abria os olhos sonolentos de vez enquando para me ver. Sorria e depois fechava os olhos de novo. Eu lutava para não dormir antes dela. Depois de algum tempo, parava de sugar a chupeta, afrouxava as mãozinhas. Estava dormindo. Eu ficava algum tempo olhando ela dormir, depois, soltava a mão dela e, perguntando por que tinha que ser assim, saia devagar da cama. Encontrava a Estela na sala vendo TV, me despedia e ia embora. Só uma semana depois ficava sabendo que Telita, sentindo minha falta, tinha acordado e chorado, pedindo por mim...
Não sei, filha, em que recôndito da sua memória ficou isso. Mas até hoje sinto um aperto quando lembro de você pequenininha. A parte da sua vida em que eu não estava lá. A Estela dizia: “o que é que ela entende?...” Mas eu sentia que alguma coisa se passava em sua alminha de criança e me condeno por isso.

Monday, May 24, 2010

Sem Novidade


Passeio pela cidade.
Depois que você foi embora,
Os dias ficaram sem novidade.
Os segundos aumentam minha idade.
O passado embolora
E a saudade me namora.

Monday, May 03, 2010

Maio

No dia do trabalho não se trabalha.
Para lembrar a greve que virou batalha.
Reivindicando redução da jornada de labor.
O conflito matou polícia e trabalhador.

Aconteceu em Chicago, Estados Unidos, 1886
A segunda internacional socialista depois de 3
Anos, em Paris, criou o dia mundial do trabalho.
Honrada atividade que nos dá comida e agasalho.

No mês das noivas, o dia das mães se comemora.
Entram as frentes frias e as árvores vão desfolhando
O inverno vem chegando e as turistas foram embora

Andando na beira da praia, o poeta vai observando:
O vôo, no ar frio, de algumas andorinhas atrasadas,
As ruas úmidas e cobertas de folhas enferrujadas

Thursday, April 01, 2010

Abril

É o dia da mentira o primeiro de Abril
E essa brincadeira não é só no Brasil
Vários outros países adotam a tradição
Nascida na frança como trote e gozação.

Em 1.500, Cabral descobriu o Brasil.
Minha Pátria amada, meu País varonil.
Dia do Índio, Tiradentes e Planeta Terra.
Aflora o roxo das quaresmeiras na serra.

O verão escorre para o outro lado do mundo
Desfolham as árvores, como exige o outono
O céu espelha um azul muito mais profundo

Reluz o colibri perto do pardal vagabundo
As noites frescas tecem redes para o sono
A esperança adormece num poço sem fundo.

Tuesday, March 09, 2010

Avesso


Não quero saber de comunidade.
Não faço parte de bandos.
Não me insiro em cardumes.
Não me junto a rebanhos.
A alcatéia amortece o lobo...

É a minha solidão cósmica
Que mantém o sopro da vida,
Fazendo meu coração bater...

No silêncio relativo da biblioteca,
leio um livro por vez.

Wednesday, March 03, 2010

Março

Em março chega ao fim o verão.
E as pessoas ficam mais sérias
Talvez por terem findado as férias
Ou então, por reencontrar o patrão.

A volta às aulas faz o trânsito congestionar
As mães estacionam em irritante dupla fila
E a criançada demora para desembarcar...
Beijinho, brinquedo, ih, esqueceu a mochila...

Mês que comemora duas criaturas que adoro
Dia 8, a mulher em seu dia internacional
E dia 14, a poesia, em sua data nacional.

Mulher e poesia. Se existe algo melhor, ignoro.
Para quem aprecia, as duas são um prazer especial.
Dedico a elas o meu amor profundo e incondicional.

Thursday, February 18, 2010

Lua Negra


Amo de menos em respeito às cicatrizes
Nas noites frias iluminadas pela lua cheia
Meus delírios incluem aplaudidas atrizes.
Enquanto injeto doces venenos na veia.

Meus olhos choram lágrimas anídricas
E os desertos são imensidões geladas.
Todos os adeuses foram apenas fadigas.
Todos, filhos das vidas não conquistadas.

Amo de menos e é assim que faço.
Esse é o amor no qual me comprazo.
E o final da minha luta não tem prazo.

Da lua negra, o que me atrai é o traço.
No céu escuro da madrugada, o reflexo.
E de manhã, a flor que nasce, sem nexo.

Wednesday, February 03, 2010

Fevereiro

Faz bastante calor em fevereiro
Chove, mas não é suficiente
O chão seca rápido o aguaceiro
E sobe um vapor mais quente.

Em fevereiro costuma ter carnaval
Festa tradicional que gosto muito
Tudo fica mais fácil, mais liberal
Samba na rua e até baile gratuito.

Mês com dois dias subtraidos
Por vaidade dos imperadores
Julio e Augusto, os sobressaídos.

Julho e agosto têm 31, por isso.
Aprendi com meus professores
Aposto que pouca gente sabe disso.

Tuesday, January 05, 2010

Janeiro

O mundo, pelo fuso, comemora o ano novo.
Festas, simpatias, tradições e fogos de artifício.
Assisto ao espetáculo no topo de um edifício.
Faço promessas que não vou cumprir de novo.

Mês locomotiva de prévio itinerário
No dia quinze é o meu aniversário.
Sol, calor úmido, temporal, enchente.
O canto da cigarra alto e persistente.

Vou beber na praia olhando as meninas.
Na minha idade já é um contentamento.
Apreciar, estiradas ao sol, lindas ondinas

De noite, a infestação de siriris entra pela janela
É preciso apagar todas as luzes do apartamento...
Aproveito o ensejo e vou dormir com a Daniela.