Friday, January 24, 2014

A PLACA

(texto de 16 de Maio de 2013)

Entre São Vicente e Santos, convencionou-se chamar de Divisa um quadrilátero cuja rua principal é a Princesa Isabel, que termina em uma praça com o mesmo nome. No Centro da praça um flamboyant rosa, infelizmente condenado por parasitas, mas que, ano a ano, repete seu ciclo de floração. Do lado esquerdo da rua, tem uma casa do norte chamada Guarabira. O proprietário é o Marconi que, recentemente, mandou colocar uma placa nova sobre a porta de seu estabelecimento: “CASA DO NORTE GUARABIRA” e elencou seus quitutes: “vatapá-mocotó-sarapatel-carnes seca-galo”. Ontem, reparando na placa nova, entrei para tomar uma cerveja de “litão” segundo a língua corrente da fronteira. Conversando com o Marconi, perguntei por brincadeira, porque casa do Norte se ele anunciava comidas típicas nordestinas. Rindo, Marconi respondeu:
- É a tradição, né, Barão. Se fosse do norte mesmo eu teria que vender comida típica do Amazonas, do Pará, do Acre...
- E Guarabira? Tem a ver com o parceiro do Zé Rodrix?
- Rarará! Não! É uma homenagem à cidade em que nasci : Guarabira, perto de João Pessoa, como daqui em Cubatão...
- Legal Marconi. Mas, manda o cara arrumar o final da placa. Lá tá escrito errado e tem um cacófato: “carnes seca galo”.
- Caco o quê Barão? Rarará! Aquilo é marketing! A pessoa lê assim e entra...rarará!
- E se te pedirem uma porção de “carnes se cagá-lo”
- Aí eu digo, caga aí tu, seu cagado! Rarará!
- Marconi... traz uma cachacinha mineira para acompanhar o litão, vai.
- Vai querer também o “secagalo”? Rarará!...
Trouxe a cachaça pela metade e disse:
- Barão, de marketing eu entendo. Toma aí meia cachaça por conta da casa...é brinde de fidelidade... Rarará!
- Valeu Marconi...

Fiquei calado, olhando o flamboyant soltando folhas, agitado pelo vento...marketing... ô palavra sem tradução...

VANS, O TRANSPORTE "ALTER" NATIVO

(texto de 12 de maio de 2013)

Em São Vicente elas são permitidas e têm até uma associação. As vans, como é costume dizer, têm ponto final na Divisa, na praia, em frente ao quiosque Maravilha. O quiosque pertence ao Luciano que diz que encontrou a melhor forma de juntar mar com ilha para batizar seu quiosque, que é o mais próximo da ilha urubuqueçaba: mar e ilha, maravilha. Seguindo o pensamento do Luciano, separei o “alter” do “nativo” no título.
As vans não têm itinerário fixo. Todas elas têm uma profusão de placas no parabrisa que são substituidas à medida em que a linha seja mais lucrativa. Então começam os problemas.

De manhã cedo, o fluxo maior é dos bairrros para a praia onde o pessoal que trabalha em Santos faz baldeação. Assim, as vans chegam à praia, desembarcam os passageiros, trocam a placa para FORA DE SERVIÇO e saem à toda para retornar ao bairro e voltar recolhendo o grande volume de passageiros. Quem faz o caminho inverso, sobra nos pontos. E é o meu caso.Trabalho no centro de São Vicente e várias vans passam ao largo na avenida Ayrton Senna, ignorando meu sinal. À noite, quase nenhuma vai para a praia e muitas vezes sou obrigado a fazer o trajeto a pé. Aproximadamente três quilômetros. Além disso, existe o mau costume de andar a vinte por hora para ir coletando mais passageiros, numa marcha exasperantemente lenta. Às vezes até param para esperar pessoas distantes. Só aceleram quando são ameaçadas de ultrapassagem. Se estiver atrasado, esqueça o transporte alternativo. Todas as vans têm um co-piloto que vai gritando o itinerário a todos os transeuntes da calçada. Uma vez perguntei o porquê disso e a resposta foi que: “tem gente que não sabe ler”... E a ladainha também é irritante: Guassú, imigrantes, nautica 3! Quem vai? Guassú, vai? o tempo todo da viagem. Você sai do veículo com aquilo gravado no cérebro, repetindo...Mas, o pior é o som ambiente: quando não é música gospel com cantoras de voz empostada gritando por Jesus, é o funk falando de sexo, mulher fácil, novinhas, bate a bunda no chão, faz o quadradinho de oito, com a batida igual, insistente, sincopada e enjoativa, repetindo oito vezes a mesma estrofe. Ninguém merece! Num domingo, saí da divisa para ir a um churrasco no Japuí, pequeno bairro apertado entre a baia de São Vicente e a reserva de mata atlântica Xixová. Já fiz esse trajeto de bicicleta e gastei 35 minutos, aproximadamente 5 quilômetros. Mas, como era churrasco, eu preferi ir de van. Aguardei na divisa a van Japuí por 40 minutos, o trajeto demorou uma hora e 15 minutos. Preocupado com a volta, perguntei ao motorista até que horas as vans iriam circular e a resposta foi: hoje não tem mais. O Japuí é servido por “ônibus de linha” apenas duas vezes por dia. No final do churrasco consegui uma carona até o centro de São Vicente e de lá, a pé, até em casa...Não tive alternativa.

Domingo

Na praia de manhã, nêgo virado
A noite inteira na folia e drogado.
Querendo ainda mais uma saideira
Sujo e  tresnoitado na bebedeira.

Não tenho mais idade para isso
E amanhã eu tenho compromisso.
Vou pro mercado comprar comida.
Um vinho e a sobremesa preferida

A tarde chega trazendo melancolia
Vou pro bar jogar conversa fora
Quando acaba o jogo vou embora

Um aperto no peito que me devora
Fico bebendo cerveja sozinho, calado.

Pensando nas merdas do passado...