Monday, October 27, 2008

Mulher de Escorpião


para Van Luchiari

Foi vasculhando
Nos meus escombros
Nas minhas ruínas
Nos monturos da minha casa caída
Que descobri teu ninho.
E, sem cuidados,
Sem pressentir o perigo,
Ingênuo,
Expus minha alma
À tua proximidade.
Vitima do teu fascínio
Senti a fisgada
E provei
O extremo prazer
De morrer do veneno
contido no teu rabo.

Wednesday, October 22, 2008

Reflexão LXXVI (o galo)


Eu tinha uns seis, sete anos... na época era comum comprar frango vivo nas feiras. Jurássico isso... e, não sei porque, acabei ganhando um pintinho de presente. Amarelinho, piando o tempo todo.
Foi embalado pelo vendedor num saquinho de papel pardo perfurado à faca para o bichinho poder respirar. Lembro de levar o saquinho com o pintinho piando dentro dele, cheio de cuidados, de mãos dadas com a minha mãe, voltando da feira. Ao nosso lado o carregador de feira, com as compras dentro de um carrinho tipo baú de madeira e rodas de rolimã, fazendo um barulho metálico sobre as calçadas de cimento. Um frango adulto ia sobre os pacotes, embrulhado num cone feito de jornal, com os pés atados numa cordinha, olhando com seu olho vermelho para todos os lados, com o bico aberto e a língua de fora. Em casa, minha mãe costumava matar os frangos destroncando o pescoço deles. Pegava pelas pernas, deixando o bicho de cabeça para baixo, segurava firme a cabeça e torcia o pescoço umas duas ou três vezes e depois o esticava com força sobre a sua coxa até estalar. Pendurava o frango se debatendo num gancho do quintal e ia cuidar de ferver água enquanto o frango morria. Punha o frango morto na pia, regava com água fervente e ia arrancando as penas, depois eviscerava, cortava aos pedaços, lavava e punha pra cozinhar com batatas e coentros. Eu acompanhava todas essas etapas porque tinha que ajudar, enchendo a panela de água, recolhendo as penas e as vísceras e embrulhando em jornal para jogar fora, antes que as moscas dominassem o ambiente. Nesse domingo, meu pintinho ganhou uma caixa de sapatos para morar. Tinha água e quirela. Mas, o danado não se contentava em ficar na caixa, se esforçava pra sair e piava constantemente. Resolvi deixá-lo livre no quintal, colocando a caixa de sapatos virada sobre um dos seus lados com a água e a comida à disposição. O pintinho ficou parado um tempo, depois, piando menos, saiu ciscando o quintal de terra e comendo bichinhos invisíveis para mim. Passei o domingo brincando e observando o comportamento do meu novo amiguinho: o pintinho amarelinho. Durante as semanas seguintes, todos os dias, quando voltava da escola, procurava o pintinho e dava comida pra ele: folhas de couve, milho e um punhado de ração especial para frangos que eu conseguia com o dono da mercearia. Ele foi crescendo e ganhando novas penas, vermelho amarronzadas. Passeava majestoso pelo quintal, o pescoço altaneiro. Andava marcialmente, dando pequenas paradas a cada passo. Ciscava o chão, bicava e seguia andando. Era um galo adolescente agora. Eu fui me afeiçoando a esse bicho. Independente, elegante, intrépido. Até que num domingo, voltando de uma aula de catecismo, não vi o galo no quintal. Descobri, na cozinha, que meu amigo estava sendo cozido num borbulhante molho de batatas e coentros. Fiquei revoltado com minha mãe. Chorei. Quase tomei uma surra, mas tive respeitado o meu direito de não almoçar meu amigo. Meu pai, chupando os ossos do meu galo, dizia: Esse menino parece besta! Tá muito mimado! A hora que eu pegar ele de jeito... Na época criança não tinha querer. Era o último a falar e o primeiro a tomar pancada. O trauma infantil não existia. Tanto é verdade que estou aqui, no bar do português, com uma cerveja gelada ao lado e uma porção generosa de galo cozido com batatas e coentros. Ê vidão!

Tuesday, October 07, 2008

Coisas Efêmeras

(para Michelle)

Acabei de te deixar
e parece
que nem estivemos juntos.
O primeiro amor que fizemos,
tão bom e tão intenso.
Fiquei esgotado
Pelo resto do dia.
Te amei inteira.
Tomei posse
Do dragão na tua perna
Do golfinho na virilha.
Do anjinho nas tuas costas.
E tua boca imprescindível...
Mas minha memória
Prejudicada pelo álcool já,
Vai te dissolvendo,
Vai te transformando
Num passado bom,
fugaz,
ligeiro.
Quando, depois do bar, eu voltar pra casa,
Na hora de dormir,
Vou sentir
Teu cheiro de novo
Impregnado nos lençóis.
E farejando,
Cão abandonado,
Saberei que aconteceu.
Que não foi um sonho...

Thursday, October 02, 2008

O pagode da Brunella

Quem nunca foi, nunca viu
No pagode da Brunella
A Morena Bandida sambando
Alvoroçando a favela.

Rola cerveja e churrasco,
Galinha de cabidela,
Até vovó Nininha
Faz batuque na janela.

Bandida no meio da roda
Vai rebolando mexido
Quem veio estragar a festa
Foi a porra do marido...

Quem tava lá assistiu,
Quem não tava ouviu falar
O marido chegou com ciúme
Não deixando ela sambar

O couro comeu sentido
No lombo do vacilão
Não é porque é marido
Que vai pagar de alemão...

Bandida nem se abalou
Nem da roda saiu
Quando o refrão entrou
Foi aí que mais rebolou

Rebola, rebola Bandida
Rebola e arrasta a sandália
Tá me deixando maluco
Nesse seu tomara-que-caia.

Rebola, rebola Bandida
Rebola e levanta a saia
Maltrata meu coração...
Eu te encontro lá na praia.