Wednesday, October 22, 2008

Reflexão LXXVI (o galo)


Eu tinha uns seis, sete anos... na época era comum comprar frango vivo nas feiras. Jurássico isso... e, não sei porque, acabei ganhando um pintinho de presente. Amarelinho, piando o tempo todo.
Foi embalado pelo vendedor num saquinho de papel pardo perfurado à faca para o bichinho poder respirar. Lembro de levar o saquinho com o pintinho piando dentro dele, cheio de cuidados, de mãos dadas com a minha mãe, voltando da feira. Ao nosso lado o carregador de feira, com as compras dentro de um carrinho tipo baú de madeira e rodas de rolimã, fazendo um barulho metálico sobre as calçadas de cimento. Um frango adulto ia sobre os pacotes, embrulhado num cone feito de jornal, com os pés atados numa cordinha, olhando com seu olho vermelho para todos os lados, com o bico aberto e a língua de fora. Em casa, minha mãe costumava matar os frangos destroncando o pescoço deles. Pegava pelas pernas, deixando o bicho de cabeça para baixo, segurava firme a cabeça e torcia o pescoço umas duas ou três vezes e depois o esticava com força sobre a sua coxa até estalar. Pendurava o frango se debatendo num gancho do quintal e ia cuidar de ferver água enquanto o frango morria. Punha o frango morto na pia, regava com água fervente e ia arrancando as penas, depois eviscerava, cortava aos pedaços, lavava e punha pra cozinhar com batatas e coentros. Eu acompanhava todas essas etapas porque tinha que ajudar, enchendo a panela de água, recolhendo as penas e as vísceras e embrulhando em jornal para jogar fora, antes que as moscas dominassem o ambiente. Nesse domingo, meu pintinho ganhou uma caixa de sapatos para morar. Tinha água e quirela. Mas, o danado não se contentava em ficar na caixa, se esforçava pra sair e piava constantemente. Resolvi deixá-lo livre no quintal, colocando a caixa de sapatos virada sobre um dos seus lados com a água e a comida à disposição. O pintinho ficou parado um tempo, depois, piando menos, saiu ciscando o quintal de terra e comendo bichinhos invisíveis para mim. Passei o domingo brincando e observando o comportamento do meu novo amiguinho: o pintinho amarelinho. Durante as semanas seguintes, todos os dias, quando voltava da escola, procurava o pintinho e dava comida pra ele: folhas de couve, milho e um punhado de ração especial para frangos que eu conseguia com o dono da mercearia. Ele foi crescendo e ganhando novas penas, vermelho amarronzadas. Passeava majestoso pelo quintal, o pescoço altaneiro. Andava marcialmente, dando pequenas paradas a cada passo. Ciscava o chão, bicava e seguia andando. Era um galo adolescente agora. Eu fui me afeiçoando a esse bicho. Independente, elegante, intrépido. Até que num domingo, voltando de uma aula de catecismo, não vi o galo no quintal. Descobri, na cozinha, que meu amigo estava sendo cozido num borbulhante molho de batatas e coentros. Fiquei revoltado com minha mãe. Chorei. Quase tomei uma surra, mas tive respeitado o meu direito de não almoçar meu amigo. Meu pai, chupando os ossos do meu galo, dizia: Esse menino parece besta! Tá muito mimado! A hora que eu pegar ele de jeito... Na época criança não tinha querer. Era o último a falar e o primeiro a tomar pancada. O trauma infantil não existia. Tanto é verdade que estou aqui, no bar do português, com uma cerveja gelada ao lado e uma porção generosa de galo cozido com batatas e coentros. Ê vidão!

1 comment:

Van said...

Osmar,
Vim agradecer-lhe a visita e os comentários tão gentis. Adorei tudo. Obrigada. Nas próximas vezes, fique à vontade para deixar um comentário nos blogs. Beijucas ;)